Vó Ana era uma senhora que vivia pelas ruas de um pequeno lugarejo chamado Ierê, no interior do interior de tudo, onde apenas dois rios se encontram para seguirem juntos seu percurso.
Vó Ana vivia sozinha numa casa que no passado esteve repleta de risadas, brincadeiras e amor. Hoje sozinha ela passava os dias pelas ruas catando e revirando o lixo do pequeno lugarejo, porque ela acreditava no poder da reciclagem.
A senhora solitária catava, limpava, cuidava e dava destinos diferentes aos objetos encontrados no lixo.
Na sua opinião tudo possuía vida e sendo assim mereciam respeito e reutilização com amor.
Vó Ana transformava panelas e chaleiras furadas em vasos floridos para alegrar as ruas tristes. Com o mesmo carinho transforma roupas e meias velhas em bolas ou bonecas para a criançada brincar.
Tudo era transformado até mesmo louças velhas. Ela transformava tudo que pudesse ser reutilizado.
Seu amor e respeito por cada objeto era muito maior do que os moradores pudessem compreender.
No lixo vó Ana encontrava quase tudo, menos livros, revistas ou jornais, isso a deixava muito triste, porque sentia falta da leitura, das palavras e dos sonhos que um bom livro pode proporcionar.
Neste lugarejo todo o papel ou madeira era utilizado como combustível nos fogareiros que aqueciam as casas. Isso a deixava muito triste.
Vó Ana resmungava sozinha enquanto caminhava, porque as palavras eram suas paixão.
- Muito triste livros, revista e até jornais serem queimados. As palavras desaparecem sem o carinho dos leitores.
Um dia igual a tantos outros...
Vó Ana a senhora apaixonada por palavras encontrou um livro no lixo, era um dicionário novo, sua capa era brilhante e as folhas pareciam nunca terem sido folheadas.
Respeitosamente a catadora abraçou o livro e seguiu para sua casa. A descoberta fez com que vó Ana sumisse por dias das ruas do lugarejo, ela havia encontrado um tesouro, grande amigo.
Vó Ana leu e releu com sua leitura vagarosa. No final ela abraçou o livro e o agradeceu por cada nova palavra que havia aprendido.
O dicionário passou a ser seu grande companheiro, todas as noites ela o relia até adormecer.
Numa noite quente de verão, uma forte chuva caiu no pequeno lugarejo. A casa antiga da senhora Ana foi quase toda destruída e tudo que sobrou ficou molhado.
O dicionário ficou completamente molhado e mal podia ser folheado.
Depois de muito chorar, vó Ana resolveu plantar as folhas do seu amigo dicionário.
Preparou canteiros no quintal de sua casa, um para cada letra.
Foram ao todo 26 canteiros, uns maiores e outros menores dependendo da letra. Após o plantio vó Ana organizou o que havia sobrado de sua moradia e voltou a reciclar o lixo do lugarejo.
Ao final de cada dia vó Ana caminhava pelos canteiros, pronunciando as novas palavras que havia aprendido com seu amigo o dicionário.
Velha, cansada e solitária a senhora acabou sendo conduzida a um abrigo. Sua casa estava desabando a cada nova chuva.
Apesar da solidão no abrigo, vó Ana continuava enxergando o melhor em tudo.
Passou a fazer bonecos com as folhas secas que encontrava pelo chão do abrigo e assim contava historias aos outros moradores do abrigo.
No final da tarde debruçava se na janela do seu pequeno quarto e declamava palavras, pedindo ao senhor vento que as levassem até sua plantação de palavras, enquanto o sol descia no horizonte.
Os dias correram...
Numa bela manhã, o chefe do lugarejo dirigiu se ao abrigo e convidou vó Ana para um passeio até sua própria plantação.
Curiosa e cheia de saudades a senhora aprontou se rapidamente.
Lá chegando, para sua surpresa, vó Ana viu o terreno onde morou transformado num pequeno bosque com 26 lindas árvores e uma pracinha florida com bancos sob as árvores.
As árvores eram de palavras e estavam repletas de palavras penduradas.
A população local havia adquirido o hábito de visitar a pracinha que recebera o nome de "Boque das palavras".
A senhora Ana ficou tão feliz que abraçou carinhosamente cada árvore agradecendo o milagre.
No fim da visita vó Ana a senhora que reutilizava tudo, voltou para o abrigo e desde então nunca mais parou de falar as novas palavras que havia aprendido com seu amigo dicionário.
Um belo dia vó Ana dormiu e não acordou.
Ela foi sepultada no Bosque das palavras e enfeitada por belas palavras que caiam das árvores.
Ainda hoje, todos do lugarejo vão até o bosque encontrar novas palavras acolhedoras, amigas e caridosas.